Depois
de Ontem
Acordara
em torno das 15h, seus olhos não abriram direito. Seu corpo não havia
descansado o suficiente para compensar a noitada que tivera anteriormente. A
festa fora um sucesso. Só os resultados do dia seguinte é que entristeciam,
porém, é normal no outro dia se estar mal, não é mesmo leitores?
Pisara
no chão. Seu corpo estava pesado, puxava-a para a cama, mas sua mãe há tempos
estava lhe chamando para que acordasse. Caminhou a passos lentos pelo quarto,
se assemelhava a um ser em transe, ou um alguém automatizado. A uma lentidão
tamanha, chegou até o botão que acendia a luz de seu quarto e o acendeu. Um
quarto de piso negro, paredes rosa com alguns desenhos de flores nelas, uma
cômoda cheia de maquiagens em cima e um espelho, enfim, um quarto de garota.
Andou até sua cama e jogou seu corpo, sentando-se aos pés desta, ficando de
frente para seu guarda-roupa de cor marrom escura, com um espelho diante de si.
A
primeira coisa que notara em si, era os olhos fundos, de uma “noite” mal
dormida, mas talvez bem vivida. Depois notara o cabelo todo mal arrumado,
normal para quem acaba de acordar. Depois notara que seu corpo inteiro estava
doendo, e principalmente, sua cabeça latejava, similar ao badalo do sino da
Catedral da Sé.
Estava
tão sonolenta que não conseguia se importar com isso, a não ser com as dores,
porém com seu estado lamentável, isso ela ignorava com maestria. Uma maestria
comum em sua vida.
Tentou
em primeiro momento lembrar-se da noite anterior. A festa da amiga. Festa tão aguardada, tão
desejada e tão bem aproveitada... Mas ela não se lembrava de tudo...
Tentou
recapitular o que havia acontecido na madrugada anterior. O badalar de sua
cabeça soou mais forte. Fechou os olhos com força. Abriu-os novamente, devagar,
os olhos se adaptando a luz, coisa que acontece, geralmente, no reino animal.
Sua memória colaborou e lhe desenhou a imagem dela chegando à festa: a camisa
jeans, com detalhezinhos pontiagudos, da cor prata, na gola, uma calça jeans
mais escura e seu vans preto, que ela tanto o amava. Maquiagem singela, lápis
de olho preto, um pouco de base. Sim, sempre lhe caia muito bem, todos os
adereços, a pulseira dourada no braço, o brinco pequenino que não chama a
atenção, um batom rosa claro em seus lábios pequeninos, mas chamativos,
justamente por serem pequenos e carnudos, algo em que faz os adolescentes da
sua faixa etária sonharem em se tornarem canibais e devorá-los, não ao pé da
letra, pelo amor do nosso Senhor, bom Cristo.
Lembrou-se
do seu riso, da falsa imagem de feliz que passara a todos, da falsa imagem de
que estava satisfeita com a vida, quando pelo contrário, abominava-a, mas isto
nem vem ao caso. Com seu riso, sua mente teceu, lhe recordando da ansiedade em
que estava para a festa, rever tantos amigos que há tempos não os viam...
Amigos falsos, é bem verdade, mas quem liga pra isso? Acudiam na hora de
esquecer de tudo, então... Eram amigos, por pior que fossem, por mais falsos e malignos
que fossem, estariam lá, de braços abertos, falando que a amava, que sentiam
falta dela, sim, tudo uma farsa, mas ela gostava das mentiras deles, mesmo
sendo mentira, na hora lhe acolhia e fazia seu peito ficar tranquilo e ter um
esboço do que é ser “feliz”. Sim, eles
iriam pra lá, e visualizou-os, enquanto se lembrava, deles na festa. Como eram
idiotas, piadas porcas, mas engraçadas, indiretas dos garotos querendo o corpo
dela, que ela fugia com sensibilidade, dando risada, e em alguns momentos eram
até bem humorados mesmo. Ela se recordou destas coisinhas, e também do seu primeiro
copo...
Fora
um copo de vodca com energético, fraco, como sempre fazia. Começar com bebidas
leves, essa era a sua conduta, conduta para não ficar louca de uma vez nem dar
pt rapidamente.
Com
o primeiro copo, vinha também o narguilé que ela tanto gosta. A essência, a
fumaça presa em sua boca. Sim leitores, as coisas estavam ficando claras, até o
momento é claro, em verdade, em verdade, ela desses momentos não havia se
esquecido, somente do que virá depois. Bebidas, amigos chegando, festa rolando
solta, era tudo uma maravilha...
Ela
tinha por hábito beber para esquecer-se das coisas, das coisas que lhe
incomodavam, que lhe inquietavam, a menina que tentava viver de fato o carpe
diem, porém não conhecia o sentido da frase em sua origem, lá com os árcades,
enfim, bebeu, e gostava disso. Viveu, como se a vida só valesse a pena naquele
instante. Os amigos ajudavam nisso, lhe ofereciam mais bebidas, e lá ia ela,
colocando tudo garganta a dentro, fumando tudo que lhe davam, na realidade, ela
que solicitava.
Se
recordava bem disso, mas pouco a pouco essas memórias com o passar da noite iam
se tornando mais nebulosos, pois estava ficando alta, e quando assim ficava, se
esquecia das coisas, não raciocinava direito, colocava mais e mais para dentro,
apenas.
Sua
cabeça começou a doer, pelo simples fato dela tentar forçar sua mente a se
lembrar dessas partes “nebulosas” da madrugada anterior. Doera sim, mas
cessara, trazendo novas figuras: Um amigo, um troglodita gorducho, inchado dos
pés a cabeça, que lhe abraçava com brutalidade. Ambos estavam bêbados já,
fedendo as bebidas consumidas, ao narguilé e cigarros ingeridos, mas isso não
importava, estavam rindo. O gordo mal se importava com ela, mas e daí? Era
festa, e em festa, é como carnaval, todos colocam uma máscara e vão se
divertir... Enfim, ele a apertava, ela ria, porém tentava sair dos braços dele,
estava machucando, ela clamava em meio ao seu riso alto para que ele a
soltasse, ele grunhia como bicho, e ela ria mais. Outro amigo chegara para
acolher, outro bêbado, puxou as pernas dela. Ela agora em frente ao espelho via
as marcas roxeadas do abraço de um, e do apoio fornecido pelo outro para
livrá-lo do primeiro. Seu coração se apertou nesse instante ao se lembrar
disso. Ela, a garota que tanto criticava as outras pelas ações toscas dela,
estava lá fazendo isso. Ela, com seus quinze para dezesseis anos, fazendo uma
cena dessa, uma cena que ela não se orgulharia que seus pais vissem, que seus
mais chegados amigos, e estes mais velhos, vissem. Se envergonhou de si mesma. Envergonhou-se,
por tentar fugir sabe-se lá do que... Ou sabia...
Sua
mente lhe lançou um inside e ela viu a figura do garoto que ama... Ele a olhava
com olhar sério diante da cena descrita anteriormente, e o balançar de sua
cabeça, negativamente, recusando-se a aceitar o que acabara de ver.
Isso
apertou o coração dela, viu seus olhos se comprimirem por um instante,
encherem-se do líquido incolor com gosto de soro fisiológico, mas não o colocou
para fora, também não o reteve, apenas manteve-se do jeito que estava.
Havia
um peso sobre ela, um peso que queria apagar de si, mas tentara apagar algo na
noite anterior e fizera essa dor vir no tempo que chamamos de presente, que na
verdade já é passado... Se aquietou, mas o coração fazia um barulho alto, o
corpo em inércia, o coração em uma constante cada vez mais rápido.
Sua
mente, resolveu pregar-lhe uma peça e lhe fez voltar a festa, ao fim dela. Após
ter visto o olhar do garoto que amava, ela se pôs a beber mais, ficando mais
alta ainda, chegando a mal se manter em pé, porém ainda falar que era normal
aquilo... Era o fim da festa, ela o viu indo embora, chamou-o, ele parou e
virou-se... Ela foi até ele, sorridente, feito uma idiota, porém seu rosto
quando bebe fica igual o de quem quer chorar. Uma bêbada com cara de quem
chorava de alegria será? Quem sabe? Foi até ele, mas ele ao vê-la naquele
estado, se desvencilhou dos braços que ela lhe estendera, recuara e foi-se
embora.
Tal
lembrança doeu ainda mais no ser dessa moça, começou a chorar e a frase que o
garoto proferiu quando se afastou dela, foi o rompente das lágrimas: Não é essa a garota que eu acho linda, essa
é outra, muito parecida, mas sem a essência daquela que tem o sorriso perfeito,
daquela que me faz feliz por simplesmente estar perto de mim... Passar bem.
Ela chorava
por saber que ele fora embora por ela ter assumido outra personalidade, talvez
a sua verdadeira, quem é que o sabe? A personalidade da garota jovem que gosta
de beber, que gosta de estar com gente “errada” , que gosta de ser uma sem
beber e outra quando bebe, que bebe pra fugir...
Ela
queria fugir de tudo isso novamente, se olhava no espelho e se achava um
lixo... Ficou chorando, mas em silêncio, até que se lembrou, que dali a cinco
dias, haveria uma festa.